Meio Ambiente

Bioeconomia precisa de maior integração entre ciência e tecnologia, populações tradicionais e mercado, diz estudo do Idesam

São crescentes os arranjos colaborativos no formato de hubs de coprodução de conhecimento e inovação, analisados como subsídio a políticas e investimentos na Amazônia, sob as luzes da COP 30 do clima em Belém

Em cenário de emergência climática, destravar a bioeconomia é chave na busca de modelos de desenvolvimento compatíveis com a floresta em pé – um potencial global de US$ 7,7 trilhões até 2030, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Na Amazônia, a agenda tem atraído políticas e investimentos, mas a complexidade do desafio impõe uma nova fronteira de governança: a interação em rede.

A atual expansão de biohubs, núcleos, centros, polos e outras formas de agrupamentos na Amazônia reflete uma tendência que começa a ser mapeada e estudada como forma de subsidiar programas de governo, prioridades de financiamento e ações de empresas. “Faltam elos mais fortes de conexão entre academia, demanda de mercado, políticas públicas e populações tradicionais, de modo a catalisar resultados e otimizar investimentos”, afirma Carlos Koury, diretor de inovação em bioeconomia do Idesam – ONG voltada ao desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Segundo estudo recém-concluído pela instituição, uma maior convergência e cooperação entre bionegócios comunitários, instituições de ciência e tecnologia e indústrias se evidencia como premissa estratégica para romper barreiras, compartilhar soluções, acessar mercados e acelerar o uso sustentável da biodiversidade, com protagonismo das populações locais.

Cenário favorável
Financiado pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), o trabalho inédito analisa conceitos e apresenta referências que inspiram inovações para uma governança mais interativa da bioeconomia amazônica. O tema é bola da vez da agenda, no contexto de novas regulações e políticas públicas, como o Plano Nacional da Sociobioeconomia, em construção pelo governo federal com apoio de diversas organizações. A iniciativa se soma a políticas estaduais para o setor, como a do Pará, sob as luzes da COP 30 do Clima, que acontecerá em novembro, em Belém.

“A coprodução da inovação na forma de hubs em clusters de bionegócios, por exemplo, tem como característica a inclusão produtiva, com soluções mais sustentáveis, justas e eficazes”, explica Koury, também à frente do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio). A iniciativa, desenvolvida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e coordenada pelo Idesam, repassa investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) que as empresas são obrigadas a realizar como contrapartida dos incentivos fiscais. Foram mobilizados até hoje mais de R$ 146 milhões, com 40 empresas investidoras e 76 projetos já finalizados ou em execução no Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Acre.

Com 20 anos de atuação na Amazônia em 2024, o Idesam, tem trabalhado de forma a potencializar e integrar diferentes setores das cadeias produtivas amazônicas, valorizando o conhecimento dos atores presentes em cada elo de inovação, fomentando o conhecimento tradicional, o acadêmico e o de bionegócios e startups, além do papel do investidor privado na promoção de cadeias de bioeconomia.

Na visão de Koury, “em se tratando de bioeconomia, há uma boa quantidade de conhecimento disponível para potencializar cadeias produtivas, mas ainda são poucas as oportunidades de integrar este conhecimento”. A ausência de espaços de integração de produção e conhecimento gera esforços maiores de investimentos de estruturação de cadeias.

Interações valorizam a diversidade
“Somente ações colaborativas e bem orquestradas são capazes de superar os incontáveis desafios amazônicos. E mobilizar múltiplos atores do ecossistema da bioeconomia, entre eles os bionegócios comunitários, para além de suas fronteiras organizacionais, exige novas estruturas e modelos de cooperação”, observa Yurik Ostroski, coautor do estudo “Formatos de Coprodução de Inovação Baseada na Integração de Conhecimento na Sociobioeconomia Amazônica”, ao lado da consultora Maria Carolina Balro.

De acordo com o estudo, para além dos arranjos produtivos locais, parques tecnológicos e polos industriais, há diversas modalidades de agrupamento de atores que buscam produzir e compartilhar conhecimento e soluções. Após análise teórica dos tipos de interação entre atores em ecossistemas de inovação, foram identificados mais de 100 atores amazônicos como suporte ao entendimento de como essas categorias estão inseridas no ecossistema da bioeconomia na Amazônia.

A coprodução de inovação para uma bioeconomia justa e inclusiva se dá através da convergência de atores dos três subsistemas da bioeconomia amazônica: além do que abrange os bionegócios comunitários, destacam-se o da ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo; e o das bioindústrias/mercado. A partir deles foram mapeados cases de referência, como o Território Médio Juruá (AM), o Ecocentro (PA) e o Centro de Bionegócios da Amazônia (AM).

Em paralelo, foram identificados exemplos que transcendem os territórios isoladamente. São as chamadas “metaorganizações” – organizações compostas por outras organizações, no modelo de redes de redes, com conexão entre setores e seus diferentes papeis. É o caso do Redário, que agrupa coletivos de coletores de sementes para restauração de ecossistemas; a rede Origens Brasil, voltada ao comércio justo; e o CocoaAction Brasil – iniciativa público-privada que conecta atores da cadeia do cacau, dos produtores às indústrias, visando fomentar a sustentabilidade.

Conclusões dão suporte a novos estudos e planos de governo

Entre as conclusões, o trabalho destaca que há oportunidade para o fomento de redes, hubs e programas de inovação nos mais diferentes territórios amazônicos, conectando povos indígenas e tradicionais, pesquisadores e indústrias, que por sua natureza tendem a trabalhar de forma pouco integrada. Esse processo colaborativo demanda atenção a alguns elementos-chaves, como liderança e governança, organização social comunitária, infraestrutura mínima de produção, fluxo de recursos da biodiversidade, mapeamento e priorização de desafios, modelo de financiamento e práticas de gestão e facilitação.

A busca por equilíbrio nessas relações deve ser um mantra. Além disso, segundo a análise, a integração de atores no nível nacional, regional e local é essencial para atrair recursos e coproduzir soluções para alavancar a bioeconomia amazônica, valorizando a complementaridade – e não a sobreposição – de esforços. Essa transição tem mais probabilidade de acontecer quando as inovações de nicho, co-produzidas por meio de redes e hubs, são reforçadas por fatores externos como políticas, modelos de incentivo financeiros e demandas de mercado.

Nas várias Amazônias e suas diversas cadeias produtivas com diferentes realidades conforme o território, não é possível replicar soluções prontas: tudo precisa ser customizado. Na produção industrial para negócios comunitários, diz o estudo, o compartilhamento de recursos enfrenta barreiras como alto custo de customização diante das especificidades de cada setor (alimentos, fármacos, cosméticos etc.), junto a dificuldades na governança local e no alinhamento de interesses e relações de confiança.;

É necessário somar novas tecnologias ao conhecimento tradicional. E os governos têm papel fundamental nas interações da bioeconomia, em especial no financiamento e fomento para infraestrutura básica, como energia, conectividade, transporte, educação e assistência técnica, por exemplo. O sucesso de uma governança para o setor como um todo depende da governança local, territorial, mais fortalecida para que as inovações aconteçam na prática.

Por: Hedylaine Vanessa Boscolo
Fotos: Divulgação

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guaranyjr

Guarany Jr Prof. de Graduação e Pós de Marketing, Jornalismo e Propaganda, Jornalista, Comentarista, Consultor, Administrador, Palestrante - Belém - Pará - Brasil.

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